Em decisão polêmica, Justiça de São Paulo concede danos morais à fumante contra a empresa detentora da marca de cigarros.
Fonte: Correio
Braziliense
A Justiça de São
Paulo condenou a Souza Cruz a indenizar por danos morais a funcionária pública
aposentada Dolores Consuelo Zigler, de 83 anos, que alegou ter fumado dois
maços de cigarro por dia durante quase 50 anos, desde quando ainda estava na
adolescência. Na ação, Dolores informou que o vício lhe causou complicações
pulmonares. Em decorrência do tabagismo, conforme atestado médico que juntou
aos autos, sofre de "obstrução do fluxo ventilatório". A juíza Celina
Dietrich Trigueiros Teixeira Pinto, da 15.ª Vara Cível da Capital, fixou a
indenização em R$ 20 mil ao reconhecer "nexo causal" entre o cigarro
e a doença de Dolores.
A Souza Cruz é
líder no mercado de cigarros no Brasil e integra o grupo British American
Tobacco, com marcas comercializadas em 180 países. A Souza Cruz informou que já
recorreu da sentença, dada em 5 de dezembro. Segundo a empresa, "em todo o
Brasil, já foram proferidas mais de 500 decisões que rejeitaram ações como esta
e todos os casos encerrados tiveram decisões definitivas que afastaram os
pedidos indenizatórios".
"A autora
(Dolores Consuelo Zigler) não escolheu o vício, nem a doença", assinalou a
juíza da 15.ª Vara Cível de São Paulo, na sentença. "Não podia
escolhê-los, porque não tinha informação suficiente sobre o fato quando lhe foi
oferecida a compra de cigarros pela ré (Souza Cruz). E não se argumente que não
há dificuldade em parar de fumar, ou que esta ou aquela porcentagem de norte
americanos é formada por ex-fumantes que não utilizaram remédios."
Celina Dietrich faz
uma reflexão. "É claro que a intensidade da dependência varia de pessoa
para pessoa, assim como a dificuldade de livrar-se dela. Entretanto, em nenhuma
hipótese é possível dizer-se que um fumante viciado, e fumando dois maços de
cigarros por dia, não tenha dificuldades para parar de fumar. Se fosse assim
tão fácil, ninguém se disporia a pagar para ingerir remédios caros e a
enfrentar os seus efeitos colaterais visando deixar de fumar, e a indústria
farmacêutica não se importaria em fabricá-los." "Quem já foi viciado
que me contradiga", afirma a magistrada.
A ação foi ajuizada
quando Dolores tinha 63 anos. "Fumou por quase 50 anos, antes que se
iniciassem as primeiras proibições ou limitações à propaganda de cigarros, e a
veiculação de advertência nas caixinhas, visando coibir o fumo e fornecer
informação suficiente aos consumidores, a fim de que pudessem efetivamente
exercer alguma escolha", assinalou a juíza. "E, da mesma forma,
somente depois de mais de 40 anos é que a autora teve acesso a remédios que
pudessem ajudá-la a parar de fumar."
Para a juíza da
15.ª Vara Cível de São Paulo, "é evidente" que a Souza Cruz
descumpriu o dever de informação disposto no artigo 6 º. Inciso III do Código
do Consumidor, vigente desde 1990. "Somente a partir do ano de 2001 (Souza
Cruz) começou a inserir a informação sobre as doenças causadas pelo fumo em
suas embalagens. Antes disso, não forneceu informação adequada sobre as
características nocivas e os riscos apresentados pelo produto, nem comprovou
que deles não soubesse. Ao contrário, admitiu-se ciente desses males, tanto que
pretendeu se exigisse da autora o mesmo conhecimento."
A juíza é taxativa.
"Desta forma, considerada a prova do nexo causal entre o cigarro e a
doença pulmonar adquirida pela autora e o acesso tardio às informações sobre os
males do cigarro e aos remédios para parar de fumar, não há como se afastar a
responsabilidade da ré. Diante do vício físico e psicológico causado pelo
cigarro, aliado à falta de informação suficiente e à ausência de medicamentos
adequados para curar a dependência, não se tem como concluir que a autora
tivesse mesmo capacidade de escolha consciente que a impedisse de começar a
fumar, ou que a fizesse largar o vício."
Ao julgar
procedente a ação, e admitir existência do dano moral, a juíza recorreu
novamente ao Código do Consumidor e também ao Código Civil, e ponderou. "Não se discute, também,
que seja lícita a atividade de vender cigarros exercida pela ré, e que o
produto não contenha defeito, pois essas são questões irrelevantes diante da
responsabilidade objetiva determinada pelo artigo 12 do Código de
Defesa do Consumidor e pelo artigo 927, parágrafo único,
do Código Civil, e que portanto independe da licitude do
comportamento ou ainda da verificação da sua culpa do causador do dano,
bastando o nexo causal entre o produto vendido e o dano, aliado à ausência de
culpa de terceiro ou da vítima, para a caracterização de sua
responsabilidade."
"E não se olvide que a requerida (fabricante
do cigarro) não forneceu ao consumidor todas as informações necessárias sobre o
produto, mormente em se tratando da possibilidade de dano à saúde, portanto
descumpriu a Legislação Consumeirista. O dano moral, por sua vez, é inafastável
diante da doença enfrentada pela autora, mal físico infligido pelo consumo do
produto fornecido pela ré. Para indenizá-lo, considerando grave o dano, e tendo
em conta a função punitiva e pedagógica da verba, mas também o principio da
moderação, fixo a quantia de R$ 20.000,00. Daí a procedência da ação."
O valor da
indenização terá correção monetária a partir da sentença e juros de mora desde
a citação, mais as custas processuais e honorários advocatícios de 15% do valor
da condenação.
Abertura de caminho
O advogado Paulo
Esteves, autor da ação contra a Souza Cruz, disse que a sentença da 15.ª Vara
Cível da Capital, de 5 de dezembro de 2015, "abre caminho para outros
fumantes pleitearem o mesmo direito". Paulo Esteves observou que mais
importante que o valor da indenização a ser pago a Dolores Consuelo Zigler é
que "muitos outros fumantes poderão seguir o caminho da Justiça para
alcançar justa indenização pelos males sofridos".
Nos autos do
processo, segundo a juíza Celina Dietrich Trigueiros Teixeira Pinto, a Souza
Cruz alegou que a decisão sobre fumar ou não coube unicamente à autora
(Dolores) e que exerce atividade lícita. Além disso, a sua propaganda "não
obriga ninguém ao fumo". A empresa argumentou, ainda, que o produto
comercializado, por sua vez, "também não contém defeito algum e inclusive
adverte sobre possíveis malefícios".
A Souza Cruz
destacou no processo que a autora da ação, quando começou a fumar, já sabia dos
males causados pelo cigarro. Salientou que há muito são veiculados anúncios
sobre os riscos do cigarro para a saúde. Finalizou sua contestação ponderando
que, de qualquer forma, o cigarro não causa dependência física devastadora como
ocorre com drogas pesadas como heroína e cocaína.
Recurso
A Souza Cruz
informa que já apresentou, no último dia 1.º de fevereiro, recurso contra a
sentença proferida pela 15.ª Vara Cível do Fórum Central da Comarca de São
Paulo, que condenou a empresa a indenizar Dolores Consuelo Zigler por danos
associados ao consumo de cigarros. Caso a decisão seja mantida pela 15.ª Vara
Cível, a empresa recorrerá ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
(TJ-SP). A decisão é isolada e contraria o entendimento consolidado em diversos
Tribunais de Justiça do País, inclusive no próprio TJSP e no Superior Tribunal
de Justiça (STJ), que já se pronunciaram diversas vezes de forma contrária a
este tipo de demanda.
Em todo o Brasil,
já foram proferidas mais de 500 decisões que rejeitaram ações como esta e todos
os casos encerrados tiveram decisões definitivas que afastaram os pedidos
indenizatórios.
Vale lembrar que a decisão ainda tem caráter provisório tendo em vista que tal sentença já foi recorrida por parte da empresa Souza Cruz e cair por terra. Porém, não há como negar a sua peculiaridade e a gama de precedentes que a mesma pode gerar e a esperança que surge nessa seara aos familiares que perdem alguém vítima desse vício.
É difícil provar de fato, que em um ramo tão lucrativo com na indústria do tabagismo, que o fumante não tinha conhecimento dos riscos ou quiçá dos malefícios do cigarro. Mesmo com o dano comprovado de nexo causal entre o fumo e as doenças que por ele são causadas, é complicado julgar o total desconhecimento por parte do usuário. Nesse meio, surge a responsabilização da empresa pelas propagandas que eram feitas nos anos 80, que traziam o cigarro como sinônimo de sucesso em que incentivavam o consumidor de diversas formas em pôsters e propagandas no rádio e na TV. Conclui-se assim que cada caso é um caso e deve ser analisado individualmente para que não se ingresse em uma aventura jurídica sem respaldo legal.



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